Olho para trás numa espécie de introspecção irregular, numa revolta e difusa recordação de tempos distantes, bem no fundo do meu passado. Um passado recente, presente, um passado de mágoas e de esperanças perdidas, um passado do qual desejo fugir. O futuro incerto e indefinido afigura-se ao longe, bem junto à linha do horizonte que tantas vezes observo ao fim do dia, sentada na areia fria de uma praia deserta. O presente, esse, não é mais do que uma mortificação por um passado que teima em seguir de perto todos os meus passos e atormenta os meus dias numa tentativa incessante de me aprisionar e prender para sempre a ele. E os dias vão passando divididos entre o relembrar do passado neste meu presente, procurando sempre no horizonte o vislumbre de um futuro que espero ser melhor do que o dia de hoje. Procuro esquecer, fingir que a pessoa que fui não passa de um pesadelo ou de um sonho ou ilusão e não de algo concreto e real… Fui feliz e infeliz, criança e mulher, amada e odiada, fui mil e uma coisas e ao mesmo tempo fui nada… Anulei-me numa vertiginosa jornada em busca de mais do que poderia ter, anulei-me na eterna espera de alguém que não me pertencia, anulei-me ao lutar pelo que estava condenado a morrer e no fim não sobrou de mim nada mais que uma sombra. O vazio que ficou em mim fechou-me do mundo, arrastou-me para um precipício íngreme, empurrou-me para uma morte quase certa… Mas ainda assim lutei, procurei forças onde achei que não fosse encontrar, não me resignei ao que parecia ser o meu destino… Caí e levantei-me, chorei e gritei em silêncio no resguardo do meu quarto, sorri para o mundo numa falsa pretensão de que nada me atingira, tive medo mas continuei… Durante anos vivi e não vivi, deambulei entre a vontade de mudar e a cobardia de morrer, fugi e enfrentei e por fim regressei…
Ao olhar para trás sinto ainda presente o cheiro do medo, a voz da tristeza, o paladar da mágoa, a dor das lágrimas… Os fantasmas encontram-se ainda à espreita, esperando um momento de fraqueza, um sinal de recuo da minha parte, mas recuso-me a ceder a uma vida que nunca desejei para mim, recuso-me a voltar a ser alguém que eu própria odiei… Hoje vou ao encontro de mim, reconstruindo-me, repensando-me e reinventando-me… As lágrimas não mais farão parte de mim, a fragilidade não estará mais presente, a inocência e a ingenuidade perderam-se para sempre... Hoje sou alguém de quem sinto poder orgulhar-me, reaprendi a sentir, a confiar, a escutar, a sorrir e em breve poderei reaprender a amar. Ainda olho o passado, mas cada vez mais o vejo de forma desfocada, fez parte da minha vida mas não mais poderá fazer parte dela. A vida continua para mim e é ao olhar o passado que sei que tal milagre aconteceu, é ao olhar o passado que sei que não mais poderei cometer um erro igual ao que cometi quando ainda criança… Não mais me esquecerei de mim em detrimento de outro alguém, amar não é destruir-se, não é dar-se cegamente, não é viver em função do outro… Sei hoje que a vida nunca será um conto de fadas, nunca será um mar de rosas, mas sei que estou preparada para enfrentar o que o futuro me reserva, ainda que nem sempre escolha os melhores caminhos, ainda que escolha os mais tortuosos… Não sou mais o que em tempos fui, não sou melhor nem pior, sou, existo e mais do que isso vivo.